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sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Poesias de Borges (pinturas de Magritte)

Magritte                                     

O Sonho (Jorge Luis Borges - 1981)

A noite nos impõe sua tarefa mágica
Destecer o universo, as infinitas
ramificações de efeitos e de causas,
que se perdem na vertigem sem fundo que é o tempo.
A noite quer que esta noite esqueças
teu nome, teus ancestrais e seu sangue,
cada palavra humana e cada lágrima,
o que a vigília pôde te ensinar,
o ponto ilusório dos geômetras,
a linha, o plano, o cubo, a pirâmide,
o cilindro, a esfera, o mar, as ondas,
tua face sobre a fronha, o frescor
do lençol estreado, os jardins,
os impérios, os Césares e Shakespeare
e o que é mais difícil, o que amas.
Curiosamente, uma pílula pode
riscar o cosmos e erigir o caos.

Pintura de Magritte


O Terceiro Homem (Jorge Luis Borges - 1981)

Dedico este poema (por ora aceitemos esta palavra) ao terceiro homem que
cruzou comigo anteontem à noite, não menos misterioso que o de Aristóteles.
Saí no sábado.
A noite estava cheia de gente;
houve sem dúvida um terceiro homem,
como houve um quarto e um primeiro.
Não sei se nos olhamos;
ele ia pela Paraguay, eu ia pela Córdoba.
Estas palavras quase o geraram,
nunca saberei seu nome.
Sei que há um sabor que ele prefere.
Sei que contemplou lentamente a lua.
Não é impossível que esteja morto.
Lerá o que escrevo agora e não saberá
que me refiro a ele.
No secreto futuro
podemos ser rivais que se respeitam
ou amigos que se estimam.
Realizei um ato irreparável,
estabeleci um vínculo.
Neste mundo cotidiano,
que se parece tanto
ao livro d'As Mil e Uma Noites,
não há um único ato que não corra o risco
de ser uma operação da magia,
não há um único fato que não possa ser o primeiro
de uma série infinita.
Pergunto-me que sombras não irão lançar
estas ociosas linhas.

                                                           Pintura de Magritte

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